terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Crônica Buzo

SER FIEL A QUEBRADA
Por:
Alessandro Buzo

Não sei vcs ..... mas quando eu ouço o nome de Pirituba, lembro logo de RZO, Capão Redondo lembra Racionais MC´s, Ferréz.
Quando o rapper mineiro Lindomar 3 L foi morar no Itaim Paulista, muita gente disse pra ele, quebrada do Buzo.
Pois bem, o que é SER FIEL A QUEBRADA ?
A 5 anos tomei uma decisão arriscada, deixar o meu querido Itaim Paulista.
Tendo o nome de SUBURBANO CONVICTO imaginei as críticas, mas sou adepto a regra que se formos temer o que os outros vão dizer, não fazemos nada.
Além dessa decisão, outra que foi importante pra mim foi abandonar meu ultimo emprego (vendendo alimento na zona cerealista) e optar por trabalhar com qualquer coisa que tivesse ligação com a CULTURA.
Essas duas difíceis e polêmicas decisões foram fundamentais pro meu crescimento profissional e me permitiu alcançar vôos mais altos.
Eu estava cansado do ritmo de trabalho, trem lotado e ainda por vários dias emendar o trampo com um corre cultural.
Esses corres eram sempre na região central, Ação Educativa, Itau Cultural, eventos como a Cooperifa e outros saraus.
Quando deixei meu ultimo emprego, era um risco total. Ganhava mil e pouco de salário e como viveria sem ele ?
Acontece que a cada dia eu tinha mais convites para palestras, entrevistas e debates, nem sempre remunerados, mas cada vez mais.
Falei pra minha esposa Marilda que sempre correu lado a lado comigo.
- Vou sair do emprego e me dedicar só à cultura, tendo mais tempo, teremos mais resultado e viveremos disso.
Tinha saído de anos de dureza e privações e estava num momento de contas mais ou menos em dia e era hora de arriscar.
- Você apoia ? Perguntei a ela.
- Vamos tentar, se não der certo você arruma outro emprego.
Tentamos e nunca se arrependemos. Foi difícil no começo, mas depois caminhou.
Mas no começo, tipo uns 2 mesês eu ainda tinha a indenização da ultima empresa (Logiodice na Rua da Cantareira)...... mas depois acabou a grana, o que fazer ?
Lembrei de uma produtora de vídeo que em 2003 tinha filmado um show do RZO que fiz na quadra da Santa Barbará no Itaim Paulista. A DGT FILMES.
Tinha ido lá algumas vezes levar fanzine Boletim do Kaos.
Vi que sem dinheiro NENHUM, seria osso manter meu plano.
Fui até o Toni Nogueira que é o dono da DGT e me ofereci pro trabalho. Proposta era: - VC me paga R$ 100,00 por semana e a condução e eu trabalho aqui meio periodo, faço qualquer coisa, serviço de BOY, carrego mala de equipamentos, o que vier.
Como era pouco e ele gostava de mim, aceitou.
Com isso fui assistente de produção em 2 filmes, Osvaldinho da Cuíca - Cidadão Samba e SARAU DA COOPERIFA.
Fazia meus corre de manhã (secretaria estadual de cultura, galeria 24 de maio), etc.... tudo que marcava era pela manhã, porque das 14h às 19h eu ia pra DGT.
Fiz os cartazes de mais um FAVELA TOMA CONTA, evento que realizava (e realizo) na minha quebrada, era no DIA DAS CRIANÇAS (fiz todos desde 2004)..... ai a DGT disse: - Vamos filmar e editar esse evento.
E no dia 12 de outubro de 2007 eles foram e viram um evento com 2, 3 mil pessoas, favela em festa.
Os diretores da DGT na época disseram: - Você não pode dialogar com 3 mil pessoas e ganhar $ 100,00 por semana.
Eu ainda morando desde que casei em 1998 numa casa de 2 cômodos com côrrego fedendo nos fundos.
A DGT disse: - Precisamos fazer com que você ganhe um dinheiro melhor.
Eu só respondi: - Onde eu assino, tô dentro.
Surgiu a idéia deles de fazer um programa de TV, onde eu era o apresentador e a cada programa eu visitava uma quebrada e mostrava as coisas bacanas da cultura local.
Escrevemos e mandamos pra TV CULTURA, MTV e outras.
Muito em seguida a TV Cultura entrou em contato, o quadro MANO A MANO que o Rappin Hood apresentava no Metrópolis iria virar o Programa Manos e Minas. E eles convidaram pra gente adaptar nosso projeto de 1 programa de 30 minutos, pra um quadro de 4 min.
ACEITAMOS É CLARO e nascia o BUZÃO - CIRCULAR PERIFÉRICO, a estréia foi no primeiro Manos e Minas, em 2008.
Foi a partir dai que as coisas melhoraram pra mim.
Passei a ganhar praticamente o mesmo que ganhava vendendo allimento, agora fazendo o que eu gostava e ainda aparecendo na TV e ampliando as possibilidades.
Passei um ano na DGT sempre falando: - Eu quero fazer um filme na minha quebrada.
Nunca o projeto ia pra frente, faltava roteiro (só tinha argumento), faltava captar grana.
- Mas precisa ser agora, sem grana mesmo.
De tanto falar, convenci o Toni Nogueira a embarcar comigo, sem captar um único real. Nascia o filme PROFISSÃO MC, grande sucesso e que abriu outras janelas pra mim.
Segui lançando meus livros, uns independentes, outros por editoras.
Quando lancei em 2008 o livro FAVELA TOMA CONTA (Aeroplano Editora), recebi um cachê de R$ 5.000,00, foi a primeira vez na vida que recebi um dinheiro e não estava completamente endividado, abri uma poupança.
SEMPRE EM TUDO.... MUITO TRABALHO e foco na missão.
Foi assim que começou, depois venho a Rede Globo..... a Livraria Suburbano foi pro Bixiga em 2010 e nasceu o Sarau Suburbano e por ai vai.
Tudo baseado em muito trabalho sem pular etapas, nem pisar na cabeça de ninguém.
Foram 23 anos de trem lotado, menos que isso não venha com papo de ANTI COPA, ANTI GLOBO, ANTI A P...Q.P.
Sou a contra indicação, favelado com livro na mão.
Mas os rolê só aumentavam e o cansaço de ir e vir do Itaim Paulista, até então nunca tinha tido um carro na vida, na verdade não tinha nem habilitação, nem sabia dirigir.
Dando uma de louco, decidi que iria morar mais perto do centro, ampliar meu tempo e meus corres e quem sabe juntar dinheiro pra comprar uma casa no Itaim Paulista. Risco total, se o Manos e Minas parasse, não teria como pagar o aluguel. Arrisquei.....
Sabia que iam falar (por eu sair da quebrada)..... principalmente os mano do RAP que policiam demais a vida de todos.
Ouvi uns comentários tipo: - O Buzo já era da quebrada, foi e nunca mais voltou.
Faz 5 anos que moro na Casa Verde, a 15, 20 minutos do centro, da Paulista, com Marginal do lado pra ir pra zona sul, dentro da zona norte.
Nunca deixei de ir ao Itaim Paulista, minha casa de 2 comodos na laje da minha sogra continua lá pra quando eu quero dormir na quebrada.
Nunca deixei de fazer o FAVELA TOMA CONTA lá, já está indo pra 28a edição.
Mas graças ao meu trabalho na TV, Cultura e depois Globo. Eu virei um cidadão de todas as quebradas.
Meu trabalho me leva aos extremos dos quatro cantos de SP, Capão Redondo, Brasilândia, Cidade Tiradentes e por ai vai........
Me tornei um SUBURBANO CONVICTO no sentido mais amplo da palavra.
Não sou mais o Buzo do Itaim Paulista, sou o Buzo de todas as quebradas.
Não curto favela, sou a favela em pessoa.
Isso não impede de eu estar no Itaim, vou 2, 3 vezes por semana lá... e nem de pensar projetos culturais pro bairro.
Mas hoje surgiu novas lideranças culturais, Zumba, Cacau Ras e a turma que agita os eventos tão unidos, tem ainda o Sarau O Que Dizem os Umbigos....... no meu tempo (quando lancei meu primeiro livro em 2000), era só eu e Deus.
AMO o Itaim Paulista, mas sempre que vou lá e pego um mega trânsito na volta, vejo que não daria mais pra eu morar a 40 kilometros do centro.
Hoje sou cidadão de 4 quebradas, são meus lugares no mundo..... Itaim Paulista (sempre), Casa Verde (aprendi a amar), Bixiga (reduto da minha livraria e meu sarau) e Camburyzinho no Litoral Norte (São Sebastião) onde pretendo morar daqui 9 anos, quando eu completar 50 anos.
Na verdade, morar ou não na quebrada, pouco importa..... onde eu durmo só interessa pra minha mulher. Importa é onde eu atuo.
Mas eu sou e sempre serei SUBURBANO CONVICTO, mas não só de um bairro, sou de todas as quebradas e amo cada uma delas.
NUNCA ME PREOCUPEI COM O QUE IRIAM DIZER, falem bem, falem mal. Mas falem de mim.
Agora ..... se duvidar que sou ITAIM PAULISTA, é só fazer o DNA.

Alessandro Buzo, escritor, cineasta e apresentador de TV
www.buzo10.blogspot.com
TWITTER: @Alessandrobuzo

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